Lugar nenhum... Todo meu

PARTE I 

O mundo é uma pintura, 
Uma pintura que ultrapassa suas bordas. 
Vaza, escorre, pinga e colori.  
Entretanto, também cobre e escurece. 

A vida é uma tela branca, 
Sendo aos poucos preenchidas com rabiscos. 
As vezes alguns desenhos, 
E em outras até lembretes. 

Cicatrizes do tempo, afirmo. 

A cada tempo que se passa, 
Se faz necessário uma tela maior, 
Ou um aproveitamento da tela que se tem. 

Pintar por cima? Pintar o verso? Porque não? 
Mais o melhor é: Rabiscar a tela de alguém. 

Não com o propósito de suja-la, ou usurpar espaço de outrem, 
Mas com a beleza de passar a síntese de um momentum. 

Queria eu, ter tela e tinta suficiente para deixar, 
Que outros artistas sua obra possam explanar, 
Mas por só ter uma e não poder compartilhar 

Mesmo sabendo que a Senhorita do inverno não vem me visitar, 
Um espaço em minha tela, 
Para ti irei deixar... 

PARTE II 

Ao relento, nesse momento, só penso: onde você está? 
Nesse inverno truculento, ainda estou a te esperar. 
Poderia sim, tornar verão, outono ou primavera. 
Mais apenas com precisão o frio expressa, me conserva. 

A lembrança de um dia sem calor, 
É igual aos dias sem você. 
E o que de mim você levou... 
Eu não espero reaver. 

O que te deixei, foi, de puro e bom grado. 
Não peço, não quero nada em troca, 
Desse meu ato acalorado. 

Salvo aqueles de seu próprio inverno sem fim, 
Mas do meu, 
Eu nunca saio. 
Pois só sei viver em um mundo, 
Sem calor, 
Sem ser ao teu lado. 

Contorno antropomórfico, sem rosto, sem cor. 
A espera de um resgate, a espera de um amor. 
E se nunca essa dia nascer, 
De frio perecerei, sozinho, mas não triste, pois congelado já estou... 

PARTE III 

E onde foi que me enfiei? nessa monotonia de sofrer. 
Todo meu tempo se passava sob a perspectiva de encontrar alguém,  
Para dividir meus anseios e aspirações. 

Mas, não só esse era meu objetivo, 
Eleva-la comigo, era a prioridade. 

"Se não for para você vir junto, que fiquemos aqui..."  
Eu nunca quis chegar, onde hoje cheguei. 
Me entregar aos instintos? Ou continuar resistindo?  
Em uma odisseia, buscando a minha própria versão de uma tragédia grega. 

Eu já desistir e já conquistei muito, mas, ainda assim, sinto que me falta algo... 
O buraco que abriram em mim deveria ter sido cicatrizado, como cicatriza em todo mundo.  
Entretanto o meu, só foi ficando maior e mais profundo. 
Tentei o preencher com todo tipo de vício e virtude, mas apenas a erudição me salvou.  

No meu caminho para ascender, percebi que precisava me torna um, comigo, para que assim não corresse o risco de ser atrapalhado, por um pedaço ao qual negligenciei. 
Depois do processo, a recuperação se deu no ócio, e o excesso de calma me anestesiou... Foi quase permanente, mas o tolo aqui insistente, não se deu por vencido, não fraquejou. 

A minha visão cinza, que antes era colorida pela fortuna e a virtude dos que me rodeiam, agora cabe a mim, pôr as tintas que eu quero, sem esperar punição divina e nem dever a alma a ninguém. 

Meu próprio nada, meu lugar nenhum, mas todo meu. 

  • Iktsuarpok 

Comentários

  1. Mais o melhor é: Rabiscar a tela de alguém.

    Essa foi a parte mais impactante do texto pelo menos para mim.

    Quando chegamos ao fim da vida, sem rabiscar outra tela simplesmente deixamos de existir, somos jogados do limbo do esquecimento, porém se ao menos deixarmos um pequeno resquício de tinta, seremos lembrados e jamais esquecidos.

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    Respostas
    1. As pessoas que passam por nossas vidas sempre deixam um pouco de "tinta", boas ou ruins. E bom... essas são as únicas lembranças que vão sobrar quando elas se forem.

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  2. E se essa tinta quisesse rabisca e infelizmente fosse incapaz de falar? Em inúmeros rabiscos e tristezas em mim só sobrou a beleza. A beleza que tu deixou antes de partir por que só dessa forma voltei a sorrir, nao não foi por besteira ou intuição, mas por um sentimento sem dignidade ou razão, consegui resistir a incompreensão e me tornei um erudito sem exposição.
    Consegui resistir a negação e tristeza e procurar a verdadeira beleza. Mas, como eu sem sem poder sentir ou remoer sentimento me tornei um espantalho nesse triste relento.

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